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A indústria de games merece publishers melhores



Na última década dessa imprevisível indústria de jogos, um das estatísticas que mais vimos aumentando foi a de estúdios de desenvolvimento ocidentais indo à falência. O discurso é sempre o mesmo: a economia está complicada, jogos modernos custam mais caro, produtoras precisam fazer "reposicionamentos estratégicos"… e tudo isso, para ser bem direto, é a mais pura mentira.

Eu aprendi isso da pior maneira. Trabalho na indústria de jogos há mais de uma década. E apesar de ter passado maior parte desse tempo na parte de desenvolvimento e design, também participei do processo de produção e publicação de jogos.

Em suma, já vi os dois lados dessa moeda.

Na geração anterior, o tamanho das equipes de desenvolvimento era muito menor. Por causa disso, os orçamentos também eram menores. Um única plataforma, o PlayStation 2, dominava maior parte do mercado com uma imensa base instalada. Isso significava um grande margem de lucros. Para as publishers, é claro.

A grande quantidade de publishers que nasceram apenas para ordenhar o máximo de dinheiro possível na era PS2 tornou a maior parte da indústria complacente. Um monte de pessoas incompetentes subiram de cargo que elas não conseguiriam alcançar, não fosse pelas grandes margens de lucro da geração. Elas basicamente fracassaram em direção ao sucesso.

Hoje em dia, o mercado é muito mais fragmentado em termos de plataformas. E os jogos custam muito mais caro do que custavam na geração passada. Obviamente, alguém tem que se ferrar com essa situação.

Isso significa que as publishers, administradas por idiotas que não deveriam estar lá, não conseguem lidar com os orçamentos dos jogos – geralmente graças às suas próprias interferências – e acabam apertando o botão de pânico muito mais frequentemente do que deveriam. Isso resulta no fechamento de estúdios bem-intencionados que só estavam tentando fazer o trabalho da melhor maneira possível.

Nós também temos coisas nojentas rolando nos bastidores, como notas mínimas de Metacritic definidas em contrato entre publishers e estúdios. Essa uma prática feita exclusivamente para negar os royalties das desenvolvedoras mesmo que o jogo venda bem. E nem preciso dizer que mesmo fazendo algo genial, que venda maravilhosamente bem e receba o amor da crítica, você ainda pode ser ferrar de maneira colossal. Pergunte para a Infinity Ward.


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Para piorar ainda mais toda essa situação, o desenvolvimento de um jogo é um processo muito incompreendido pelo público geral. Design de jogos parece ser apenas sobre a capacidade de ter boas ideias (não é) e gênios do design surgem esporadicamente para elevar os patamares dessa mídia (só que não). O mito do herói solitário no processo de desenvolvimento – aquele que associa um jogo a um único designer – está aí para beneficiar as publishers. Isso gera uma ótima ferramenta de relações públicas e impede que as equipes de desenvolvedores, geralmente compostas por dezenas de pessoas, recebam o crédito e a visibilidade merecida pelo trabalho que exercem.

As publishers controlam a narrativa de como os jogos são feitos. Assim, quando um grande estúdio vai para o buraco, nós presumimos que é tudo culpa da equipe de desenvolvimento que não conseguiu ter boas ideias. Ao longo dos últimos anos, esse meme (sim, isso é um meme: uma ideia que se espalha de maneira virulenta sem muitos filtros ou críticas) se tornou global, e a quantidade de estúdios fechando se tornou preocupante.

Antigamente, as publishers poderiam fazer cagadas terríveis, mas as margens de lucros protegiam seus funcionários incompetentes e idiotas de qualquer perigo. Hoje em dia não há mais margem de lucro, e esses idiotas têm que se esconder atrás de escudos humanos.

Já notou que, às vezes, alguns aspectos de um jogo parecem estar totalmente quebrados? Quando isso acontece, devemos culpar os desenvolvedores, certo? A resposta para essa pergunta provavelmente é não. Pode ser que a culpa seja do estúdio mas, acredite, esses problemas são muito provavelmente o resultado de exigências imbecis das publishers que afetam todo o processo de desenvolvimento do jogo.

Para dar uma ideia do quão ruim pode ser a influência de uma publisher, pense nisso: durante reuniões de produção, os executivos muitas vezes se sentam passivamente no escritório e pedem para alguém – geralmente um desenvolvedor – jogar o jogo para eles verem e criticarem. Eles não querem jogar o que estão produzindo, eles querem apenas ver e fazer comentários sobre a estética e mecânicas do jogo sem nunca testá-los por conta própria. Isso é o equivalente a um editor de livros que não lê o livro que está editando.


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Isso tudo não é novidade. Até mesmo Gabe Newell já disse isso, afirmando que os jogadores e consumidores têm um conhecimento muito mais profundo sobre os produtos lançados nesse mercado do que as distribuidoras de jogos.

Eu acredito que essa incapacidade dos produtores de jogar os games que produzem surge de uma insegurança social em relação à própria mídia em que trabalham. O valor inerente de um jogo é muitas vezes ignorado pelos executivos que trabalham nessa indústria, tudo em favor de uma mídia menos lucrativa, mas muito mais glamourosa: o cinema.

Usar os filmes como base para toda a produção e desenvolvimento de jogos é algo que vem das publishers. É algo extremamente negativo para os games, mas é isso o que toda produtora quer fazer.

Elaborar jogos como se eles fossem filmes é uma bela desculpa para o hábito das produtoras de basear todo o desenvolvimento em aspectos estéticos, enquanto ignoram os elementos que fundamentam qualquer jogo. Além disso, esse hábito é uma maneira de buscar prestígio se inspirando em uma mídia muito melhor estabelecida do que os games. É isso que passa na cabeça dos produtores, e é isso que está matando estúdios excelentes e cancelando grandes jogos por aí.

Esse tipo de decisão ruim que vêm "do topo" geralmente envolve a estética e a cadência de um jogo. As mudanças de design que resultam dessa interferência tendem a envolver a criação de animações inconvenientemente longas, cutscenes que atrapalham a experiência e, no pior dos casos, a simplificação de mecânicas em favor de algo mais visualmente agradável para quem está assistindo ao jogo. O que acaba nas nossas mãos é geralmente uma versão terrivelmente deformada e aleijada do que os desenvolvedores queriam fazer. Mas ela com certeza é linda de se ver.

Mas jogos não são filmes. Dos níveis mais básicos aos mais complexos, eles são totalmente diferentes de algo que você simplesmente assiste. Em um filme, você pode mexer no corte bruto para melhorar o resultado final. Adicione uma cena aqui, corte uma cena lá. Edite o filme de forma diferente. Nos jogos, a arquitetura inicial limita o que pode ou não pode ser adicionado depois. É por isso que você ouve histórias sobre Shigeru Miyamoto chutando o balde e refazendo do zero jogos que estavam quase prontos. Isso pode parecer loucura, mas realmente mostra que a Nintendo entende como jogos são feitos. Jogos, não filmes. Isso mostra que, no fim das contas, apertar o botão de reset em um projeto é mais barato e resulta em um jogo melhor do que adicionar recursos e novos elementos no que acaba virando uma colcha de retalhos difícil de entender ou aproveitar.


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Pelo que tenho visto e ouvido por aí, os imbecis do mercado de produção de jogos subestimam imensamente o quanto realmente custa para se criar um jogo para o público atual. Então, na maioria das vezes, é quase impossível acomodar as exigências que surgem das publishers no meio do processo de desenvolvimento, simplesmente porque não há verba para isso. As mudanças não se encaixam na arquitetura original do jogo, e muitos dos produtos mal-feitos e essencialmente quebrados que vemos por aí são resultado de desenvolvedoras se vendo obrigadas a enfiar mecânicas ou elementos visuais em um jogo que simplesmente é incapaz de aguentar aquilo.

Então temos essas exigências ignorantes e imbecis que vêm "de cima" e essencialmente destroem os jogos. Quando o game é lançado e acaba apodrecendo nas prateleiras – invariavelmente por conta dessas mudanças drásticas que os desenvolvedores são forçados a fazer durante o processo de criação – as produtoras jogam a culpa no estúdio, que geralmente é obrigada, por contrato, a ficar de boca calada. O estúdio afunda e a produtora segue em frente, pronta para destruir outro.

O problema desse sistema é que ele não se livra dos idiotas que fazem cagadas no processo de publicação dos jogos. Ele só destrói bons jogos e boas desenvolvedoras.

E se você acha que isso tudo se aplica a apenas alguns casos (você está pensando na EA, talvez na Activision. Eu sei), saiba que as coisas não são assim. A grande maioria das publishers é assim. A rotatividade de empregos entre elas é grande, então são os mesmos idiotas tomando conta delas, sempre. Mesmo aqueles que afundaram uma publisher conseguem emprego em outra, e assim o ciclo continua.

Considerando o que eu acabei de escrever, o que o futuro nos reserva?

Nós sabemos que jogos AAA precisam vender milhões de cópias só para custear seus processos de desenvolvimento. A próxima geração de consoles provavelmente irá aumentar ainda mais esses valores, já que as publishers irão buscar sempre aproveitar o máximo potencial gráfico e estético desses novos hardwares. O resultado é o risco de que jogos mainstream se tornem financeiramente insustentáveis graças aos "talentos" que cuidam de suas publicações.

É claro, temos o maravilhoso crescimento dos indies que produzem seus próprios jogos sem o sustento de uma publisher. Também parece que alguns estúdios estão considerando melhor suas opções antes de oferecer uma boa ideia de jogo para uma grande produtora destruir. Se tudo der certo, as produtoras como as conhecemos hoje logo se tornarão irrelevantes. Nós já estamos vendo um certo êxodo de mão-de-obra em busca de empregos na área de desenvolvimento. Eles estão sentido a tempestade chegando.

E se as publishers realmente conseguirem sobreviver nessa era de Kickstarters e canais abertos de distribuição digital, elas vão precisar se reformular do zero. O primeiro passo é se livrar de administradores incompetentes e incapazes de compreender a mídia com a qual trabalham.


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A criação de um grande jogo deve envolver uma relação bilateral, cordial e consciente entre produtora e desenvolvedora. Essa é a única maneira de um jogo ser verdadeiramente bem-sucedido, e não é isso o que está acontecendo agora.

O que temos agora é um sistema de exploração cruel e totalmente destrutivo.

Artigo escrito por um desenvolvedor anônimo.


Fonte: Kotaku

Comentários

26 Abr, 2013 - 13:42

Comentários

vitorviking 26 Abr, 2013 19:09 2

Li tudo, infelizmente é a realidade atual, boa matéria.

brunossj3 26 Abr, 2013 14:53 3

Desabafo hein...mas ótima matéria!

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