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Angry Birds liquidam o Quixote: viva (morra) a literatura!

A Associação de Editores de Madri acaba de lançar uma campanha publicitária, assinada pela agência espanhola Grey, em que ilustres representantes da cultura literária de todos os tempos são impiedosamente exterminados por representantes da cultura audiovisual contemporânea (via No mundo e nos livros).

Dom Quixote enfrenta os Angry Birds e é abatido ao pé de um moinho de vento. A baleia Moby Dick, depois de derrotar a fúria homicida de Ahab, encalha e morre na praia do seriado Lost. O Pequeno Príncipe (vamos conter as comemorações, pessoal) tomba entre as ruínas de um videogame de guerra. A arte é caprichada e o recado, claro: o culpado é você – isso, você mesmo – que devia estar lendo em vez de perder tempo com atividades idiotas como jogar videogame e ver TV.

"Quando você passa tantas horas jogando um joguinho no seu celular, nem tudo o que você destrói lhe rende pontos", diz a legenda da primeira imagem. "Quando você passa tantas horas assistindo à série de TV mais popular da história, não são apenas os personagens que terminam perdidos", reforça a segunda. "Quando você gasta tanto tempo jogando videogames de guerra, não são só seus inimigos que você liquida", fulmina a terceira.

A campanha é voltada para o público jovem e tem, evidentemente, o objetivo de promover a literatura, exaltando suas incomparáveis qualidades em contraste com a suposta pobreza cultural dos "adversários" audiovisuais. De forma curiosa – e sintomática da sinuca de bico em que vivemos – acaba por atingir o resultado oposto. Isso não se dá apenas porque adota a linguagem visual dos videogames que procura criticar, o que poderia ser visto como uma esperta ironia. A leitura atenta dos anúncios madrilenhos revela o falecimento de qualquer ironia intencional aos pés de um humor involuntário e suicida.

Para imaginar outra resposta tão derrotista e absurda à perda de espaço da literatura "séria" (a comercial nunca esteve tão bem, com mais de cinquenta tons de sucesso), seria preciso criar o personagem de um poeta de talento duvidoso a dizer com ar desolado, diante da febre do gamão que varreu os salões da Europa a partir do século XVIII: "Pobre Homero!".

Além de ser artificial, esse tipo de oposição não interessa ao campo literário. Supor que quem gosta de se divertir com o viciante e tolinho Angry Birds só precisa de um puxão de orelhas moralista para desligar o smartphone e mergulhar no clássico de Cervantes é um delírio que nem a cabeça doente do Cavaleiro da Triste Figura teria concebido. Ofende o jogador que gosta de literatura – sim, ele existe – mas acha que cada coisa tem sua hora e considera suspeito o elogio da leitura como algo que "rende pontos". Ofende o jogador que não gosta de literatura, mas gosta ainda menos que lhe digam com ar condescendente como deveria gastar seu tempo. E ofende a literatura ao imaginar que o Quixote esteja ao alcance de qualquer jogador de Angry Birds.

Não se trata de negar que a cultura letrada venha perdendo espaço para a audiovisual, um processo já antiguinho que nossa época parece estar acelerando. Em 1924, o filósofo galês Bertrand Russell escreveu que "é impossível ler nos Estados Unidos, com exceção dos trens, por causa do telefone. Todo mundo tem um telefone, e ele toca o dia inteiro e a maior parte da noite". A invenção de Graham Bell era o bicho-papão tecnológico da época. William Faulkner tinha um aparelho em casa, mas lançou seu primeiro romance dois anos depois. Em 1949 ganhou o Nobel.

A literatura vai conservar alguma medida de relevância cultural – ainda que esnobada por multidões de jogadores de gamão e Angry Birds, como sempre foi – enquanto mostrar fôlego para reafirmar aquilo que só ela pode fazer e, ao mesmo tempo, mantiver um canal de diálogo com o mundo lá fora. Hoje esse mundo inclui cultura digital, jogos eletrônicos e seriados de TV. O resto é tiro de canhão no próprio pé.

Fonte: Veja/Abril

Comentários

26 Abr, 2013 - 15:09

Comentários

Rickman 26 Abr, 2013 19:25 3

Sou a favor de todo tipo de cultura, aquela de bom gosto é claro, mas alguém tentar me convencer a largar isso e gostar de aquilo, é forçar a barra, infelizmente os mais conservadores não se atualizam, e não desfrutam das novas tecnologias, simplesmente por medo de não aprender o que nós, pessoas mais adaptáveis, aprendemos com os avanços da sociedade, aquele que não limita sua mente, e fica preso as bases do passado, esse conquista fácil o futuro ... a cultura não pode ser limitada ao valores que eles determinaram, deixe a liberdade fluir.

Marlon018 26 Abr, 2013 18:32 2

Nada contra... compra só quem quiser.

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