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Face It: enfrentando as dificuldades do financiamento coletivo com misticismo, magia e metáforas

No começo de 2013, o desenvolvedor Caio Ribeiro Chagas teve uma bem sucedida campanha no Kickstarter para o seu jogo, o Soul Gambler (já falamos dele por aqui). Mas, quando tentou a mesma tática com seu atual projeto, o Face It, ele não conseguiu o mesmo resultado.

Passados quase metade do período de campanha e com nem um terço da meta de US$ 5 mil arrecadado, ele decidiu tirar ela do ar. O desenvolvedor descobria algo que já pode ser notado há algum tempo após a "febre" do Kickstarter. "Com o crescimento da plataforma as coisas mudaram, o que não é necessariamente ruim, mas é menos conveniente para projetos pequenos sem maiores recursos para marketing e PR (Relações Públicas)", fala ele ao Kotaku. "(Na época do Soul Gambler) Só estar no Kickstarter já era notícia, não existiam dezenas de campanhas pipocando todos os dias e tanto os possíveis backers quanto a imprensa tinham mais chance de prestar atenção no seu projeto".

Um exemplo dessa mudança está no número de visitas que a página da primeira campanha de Face It teve. Foram mil visitas em duas semanas, uma marca que na época de Soul Gambler era atingida em um único dia.

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A campanha de Face It é um exemplo de que sites de financiamento coletivo são mais uma porta que, se não está fechada, está com a fresta cada vez menor para pequenos jogos indies. Seja pela falta de confiança dos jogadores para apoiarem os projetos, seja o despreparo dos criadores ao realizar a campanha ou até mesmo a alta do dólar (outro dos motivos que Chagas diz ter prejudicado a campanha).  Os desenvolvedores indies agora tem que buscar outros meios para tornarem seus jogos realidade.

Esse desafio é o que Chagas e o programador Emanuel Tavares, que formam a Tlon Studios, passam no momento, mas eles tem um plano. Antes, porém, é bom conhecermos mais sobre o que se trata Face It.

Da magia ao gameplay

A falha na primeira campanha no Kickstarter não deve ser associada a uma falta de potencial de Face It. Na verdade o jogo instiga a curiosidade pelo seu conceito cheio de metáforas, misticismo e, o mais interessante, a tentativa de transformar o gameplay em uma forma de magia, mas talvez não como se está pensando.

Face It é um jogo de plataforma 3D onde cada mundo do game representa sentimentos negativos como medo, culpa, vergonha, dor e etc. Em posse apenas de uma lanterna, o jogador deve utilizar a luz que ela emite para dissipar os fantasmas que se aproximam constantemente, o que dá ao jogo um clima de terror e de survival.



Esses fantasmas, segundo o criador Caio Chagas, fazem parte da metáfora de superação dos sentimentos negativos que o mundo do jogo representa. "Jogando em uma das fases do mundo Fear, por exemplo, o jogador é exposto a sigilos que ajudam a trazer à tona os medos internos para que, durante a partida, derrotar fantasmas seja derrotar os próprios medos ou pular sobre um abismo seja ter a coragem de sair do lugar e procurar seu objetivo", explica.

Em um momento da fala de Chagas, ela expõe o que parece ser o grande diferencial e que constrói todo o conceito por trás de Face It: o sigilo. Sigilos são símbolos mágicos e que no jogo são formados ao se juntar as letras da palavra "CURIOSITY" que estão espalhados pela fase. Sim, é como as letras de "KONG" nas fases dos jogos da série Donkey Kong Country, mas em vez de só ganhar uma vida, formar a palavra é o principal objetivo em Face It.

Chagas explica melhor o conceito por trás disso: "A palavra CURIOSITY representa a chave para sair das sombras e da alienação e adquirir conhecimento. Ao superar o desafio de montar a palavra, ela se transforma num sigilo, carregado com intenção de afetar a mente do jogador e instigar-lhe a curiosidade", fala.

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O sigilo que é formado pela palavra representa também um sentimento que te ajudará não só a ir para a próxima fase como personifica a metáfora de superação. A fé para o medo, a paixão para a culpa, a vontade para a vergonha e assim por diante. O desenvolvedor diz que nos mundos posteriores do jogo, outras palavras deverão ser formadas como COURAGE, BALANCE e CONFIDENCE.

Para aumentar ainda mais o fator de misticismo no jogo, ao final de cada fase o jogador é apresentado ao seguinte mantra.



"O encantamento que aparece no final das fases chama-se Blade of Light Against Darkness. Foi criado por mim mesmo usando uma mistura de técnicas mágicas bem antigas", fala o criador do jogo. "A estrutura do poema é a mesma de uma ladainha (muito comum em orações cristãs) com o uso da rima para aumentar a fixação e a abstração do símbolo através das iniciais para aumentar a ‘aderência’ do encantamento na mente do jogador e penetrar no subconsciente. Foi inspirado na medalha de São Bento".

Todos esses conceitos e elementos místicos aplicados em Face It são o que o torna interessante, mas mais do que isso, Chagas fala que é onde fica o uso de magia real no jogo. Não uma magia que estamos acostumados, como bolas de fogo saindo nas mãos, mais uma bem mais sutil. "Você pode dizer que isso não é magia e chamar tudo isso de metáfora, mas metáfora é justamente uma figura de linguagem. E magia é manipular linguagem", argumenta o desenvolvedor.

Esse, para ele, é que está sendo também o principal desafio ao criar Face It. "Um dos maiores desafios no desenvolvimento do jogo é justamente honrar essa proposta e criar mecânicas que de fato sejam boas metáforas para os desafios emocionais que o jogo aborda".

Os percalços no caminho

Se enfrentar as dificuldades, sejam elas físicas ou psicológicas, é algo constante dentro do jogo, do lado de fora o desenvolvimento de Face It, que nasceu de um projeto da Global Game Jam 2014, também passou por provações.

Talvez alguns devam ter ouvido falar ou ver Face It já há algum tempo, bem antes do Kickstarter existir. Isso porque ele foi "lançado" na metade do ano passado nas lojas Desura e na brasileira Splitplay, mas aquele era só um protótipo do jogo (por isso mesmo ele não era vendido e sim disponibilizado de graça por lá).

Porém, depois desse primeiro estímulo, o projeto passou por dificuldades, com a saída de membros da Tlon e problemas de tempo. Com isso, o desenvolvimento acabou se arrastando por alguns meses.

"Com a entrada do Emanuel no projeto, as coisas começaram a caminhar mais rápido. Os controles foram todos refeitos pra ficarem mais adequados a um jogo comercial, a nova câmera foi implementada e o agora roda mais rápido", conta Chagas.

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Emanuel (esquerda) e Caio Chagas (direita)

Com essa melhorias, os desenvolvedores sentiram que finalmente poderiam finalizar o jogo. Colocaram ele no Greenlight e pensaram que o Kickstarter poderia repetir o sucesso de Soul Gambler. Ledo engano. Mas como falei antes, mesmo com a campanha não dando certo, eles tem um plano.

[b]"Foi muito bom falhar"[/b]

Face It vai ser lançado (ou no caso, relançado) de uma forma ou de outra, garante Caio Chagas, e com ou sem financiamento coletivo. "No pior dos cenários, a gente consegue se virar com o dinheiro arrecadado nas vendas do jogo em acesso antecipado". Sim, acesso antecipado, o famoso early access no Steam.

Face It foi recentemente aprovado no Greenlight e a ideia é lança-lo em early access por lá. "O Steam Early Access permite que a gente venda o jogo enquanto ainda está em desenvolvimento e ainda nos ajuda a deixar o jogo melhor com o feedback da comunidade", fala Chagas.

Claro que há todo a desconfiança de jogos que ficam em early access eterno, mas o desenvolvedor garante um período de, no máximo, seis meses até o lançamento completo de Face It.

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O plano de early access no Steam é uma alternativa, mas a Tlon ainda vai insistir mais uma vez no financiamento coletivo. Desde a última sexta-feira (27), eles reiniciaram a campanha de Face It no Kickstarter. O objetivo, agora, é conseguir verba para deixar o jogo mais polido. "Quanto mais a gente receber, mais qualidade o jogo vai ter", afirma Chagas.

Os desenvolvedores já sabem onde falharam antes e, com um planejamento melhor, dizem estar mais bem preparados para conseguir dar certo dessa vez. Por isso, não ter conseguido financiamento antes é visto agora como algo positivo. "Foi muito bom falhar (no Kickstarter)", fala Chagas. "Se a campanha tivesse sido bem sucedida, eu não estaria aqui me remexendo pra superar as minhas deficiências comerciais".

Uma das diferenças agora é o apoio de muitas pessoas da indústria, que se juntaram ao projeto. Uma delas é o compositor Gabe Castro, que fez a trilha do game indie The Forest. Outro que está contribuindo com Face It é o artista Pedro Jatobá, que colaborou com o esperado jogo brasileiro Toren. "O projeto tem tido uma aceitação muito grande, o problema tem sido visibilidade mesmo", fala Caio Chagas.



E ainda tem mais. Em paralelo ao Kickstarter, os desenvolvedores estão planejando colocar Face It também no Catarse. Mas calma, eles não estão dando uma de mercenários para conseguir dinheiro de tudo quanto é lugar. Chagas fala que a campanha no Catarse seria focado no público nacional, para uma versão PT-BR do jogo.

Mas precisava uma campanha só para isso? "Com tudo o que falei aqui sobre encantamentos e sigilos fica bem evidente que não é um jogo que dá pra por legenda e falar que está localizado", responde Caio Chagas. "A própria palavra CURIOSIDADE tem mais letras do que CURIOSITY o que já pede um trabalho específico de level design pra cada uma das fases". No momento a ideia ainda é estudada e, por enquanto, o foque ainda vai ser na volta da campanha no Kickstarter.

Quem se interessou por Face It e quer saber se vale a pena ajudar o jogo, a demo dele, que possui um mundo com dez fases e outro estágio especial, pode ser tanto baixada (aqui) ou ainda jogado direto do navegador.

Fonte: Kotaku

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30 Mar, 2015 - 11:41

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